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quarta-feira, 14 de julho de 2010

Políticas públicas sobre drogas: descriminalizar ou despenalizar, que diferença faz?

Pensamos demasiadamente
Sentimos muito pouco
Necessitamos mais de humildade
Que de máquinas.
Mais de bondade e ternura
Que de inteligência.
Sem isso,
A vida se tornará violenta e
Tudo se perderá.


              A lei em vigor sobre drogas no Brasil é a 11.346/2006, produzida no governo Lula, dentre as alterações significativas que a diferencia das duas anteriores (a 6.386/1976 e a lei 10.409/2002, criada no fim do governo de FHC), estão os artigos do capítulo III, do título III, que trata das atividades de prevenção do uso indevido atenção e reinserção social dos usuários e dependentes de drogas. O referente capítulo inicia-se com a descrição das possíveis penas a serem aplicadas a quem “adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar...” (art. 27). O artigo 28 prevê várias “penas” para o “consumidor de substâncias ilegais” flagrado nas situações já citadas no artigo 27, que seriam: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo, além de multas.

              A lei 6.386/1976 que se manteve em vigor por 22 longos anos, até a criação da lei 10.409/2002 no governo de FHC, previa em seu artigo 12º, pena de 3 a 15 anos de reclusão para quem:
          Importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda ou oferecer, fornecer ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumo substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar; (Art. 12, Cap. III).

            Embora a lei 11.346/2006 tenha acompanhado a vertente estadunidense de uma política rígida, os legisladores conseguiram certo avanço em relação a lei anterior quanto ao tema da aplicação das penas aos usuários e dependentes de drogas ilícitas. A lei 10.409/2002 teve uma grande quantidade de veto por parte do ministério da justiça, o governo FHC vetou quase 70% (dos 59 artigos presentes no texto original 35 foram vetados) do projeto aprovado na câmara. O texto teve, por exemplo, todo o capítulo III vetado, sob a alegação de que tal capítulo:

 ...resulta na incapacidade de o sistema legal proposto substituir plenamente a Lei no 6.368, de 21 de outubro de 1976, que "Dispõe sobre medidas de prevenção e repressão ao tráfico ilícito e uso indevido de substâncias entorpecentes ou que determinem dependência física ou psíquica, e dá outras providências. (Diário Oficial da União - Seção 1 - 14/01/2002 , Página 6 - Veto)

            Desta forma a lei 10.409/2002 da era FHC não trouxe quaisquer alterações no que diz respeito a questão da criminalização e penalização do uso e porte para consumo pessoal de drogas. Apesar de como muito bem salientou MAIEROVITCH (2004), a partir de 1984 com as mudanças no código penal, foi possível que os juízes substituíssem a pena de prisão contemplada na lei, por multas. Além do mais o surgimento dos juizados criminais especiais federais, contribuíram para a não imposição da prisão.[1]

            Neste sentido, o mérito da lei 11.346/2006 é exatamente alterar o texto de 1976, tarefa que o governo de FHC recusou a fazê-la. A nova lei “antidrogas”, como ficou conhecida na época, revogou tanto a lei de 6.386/1976, quanto a lei de 10.409/2002. Para alguns foi um avanço significativo, o novo texto daria mais poder as políticas de redução de danos e a justiça terapêutica. Usuários e dependentes não irão mais dividir uma cela com vários tipos de criminosos, mas sofrerão penas que incluem a prestação de serviços comunitários e tratamento compulsório.

            Não há, no entanto, consenso no que tange a positividade e avanço da lei 11.346/2006, para alguns especialistas a lei “antidrogas” do governo Lula, manteve a criminalização do uso e do porte para consumo pessoal. Isto porque tanto o porte quanto o uso continuam sendo crimes, apenas o usuário e dependente não mais serão punidos com reclusão. Logo a mudança, diferente de países como Portugal, onde o uso e o porte foram descriminalizados, sendo o portador ou usuário um infrator e não um criminoso, no caso brasileiro, o que ocorreu foi uma despenalização e não uma descriminalização.  
           
            A mudança da lei, todavia, não está assegurada como definitiva, visto que tramita no senado federal desde 2009 o projeto de lei nº 227 de autoria do Senador Gerson Camata, cujo objetivo é alterar o art. 28 da lei 11.343/2006. Sob a alegação de que o referido artigo reside um equivoco legal, o projeto justifica-se por procurar corrigir tal equivoco já que na opinião do autor:

(...) o que houve foi, sim, uma descriminalização formal e, ao mesmo tempo, uma despenalização. Primeiro, acabou-se com o caráter criminoso do fato e, em seguida, evitou-se a pena de prisão para o usuário de drogas. (PLS – Projeto de Lei do Senado Nº 227 de 2009).  

            No projeto do Senador Gerson Camata a alteração proposta seria incluir no texto do art.28 da lei em questão, pena de detenção de 6 meses a 1 ano, para as situações previstas e  descritas no art.28 podendo o juiz substituir a pena restritiva dos direitos por prestação de serviços.  O Senador Camata utiliza como argumento para endurecer a lei contra usuários e dependentes uma sucessão de pesquisas realizadas por órgãos oficiais dos EUA, Canadá e os relatórios do UNODC (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes), tais pesquisas considerariam, na visão do político que o usuário é “o ponto nevrálgico de toda engenharia social que leva do tráfico a queda da riqueza do país.”

            A posição que procura colocar o usuário como mantenedor do sistema do tráfico ilegal é compartilhado entre alguns, um exemplo é o publicitário João Blota, autor do livro “Noia” e que apesar de ter sido usuário de drogas, sustenta a posição de que o usuário deve ser o “foco do sistema de repressão.” Há, no entanto, posições semelhantes, isto é, que entendem o usuário como o “motor” do sistema, mas tendo como foco a prevenção e não a repressão, a Suécia é um exemplo deste tipo de posicionamento. O uso e posse de drogas na Suécia são criminalizados, contudo, a pena para tal crime passa por multas e integração em programas de tratamento, ou seja, não há a intenção de criminalizar o usuário apenas o uso de drogas.

            Segundo o Senador Gerson Camata seu projeto não pretende modificar o status legal atual que privilegia o serviço comunitário em detrimento da detenção, mas assegurar o rigor da medida punitiva conforme o que estabelece o código penal. Para LARANJEIRA (2010), nem a descriminalização nem a despenalização resultam em vantagens sociais, visto que ambas as medidas deixam intactas o submundo do tráfico e, por conseguinte suas relações, por outro lado, tais políticas também não provocam aumento do consumo.[2] Caberia então uma pergunta: quais das duas políticas são mais interessantes do ponto de vista do benefício social?
           
            Se o debate sobre a legalização ainda encontra uma resistência nos núcleos políticos, sobretudo, naqueles mais conservadores, a descriminalização já é vista com mais tolerância, por outro lado, as medidas repressivas já se demonstraram ineficazes do ponto de vista social. A despenalização, neste sentido, é percebida como um meio de reduzir os efeitos da criminalização, ou seja, mantém criminalizado o uso e porte para consumo pessoal, mas não se criminaliza o usuário/portador.

            Se a despenalização pode ser considerada como um avanço nas políticas sobre drogas no Brasil, os motivos para tal percepção podem ser explicados a dois fatores, um deles seria o entendimento de que a questão das drogas é uma questão de saúde pública e não uma questão puramente criminal. Outro fator pode ser explicado pela tentativa de reduzir a população carcerária no país. A despenalização surge como uma alternativa perspicaz, embora seus efeitos só sejam percebidos entre as classes mais privilegiadas, pois os usuários que vivem nos morros e nas ruas das periferias continuam sendo tratados como “marginais” e “desocupados”, são espancados quando flagrados portando ou consumindo drogas, são encarcerados por “delitos relacionados ao uso de drogas” e encontram-se desassistidos de proteção social. Falta ternura e brandura por parte do aparelho estatal, este trata a violência com violência, os resultados são os piores possíveis.



Jonatas C. de Carvalho é formado em história e é presidente do Conselho de Políticas Públicas Sobre Drogas em Cabo Frio.     


[1] Folha de São Paulo, 21 de Fevereiro de 2004.
[2]Laranjeira. R.  Ciência e Saúde Coletiva. Vol.15 nº3 Rio de Janeiro, Maio de 2010. 

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Desconstruindo estereótipos e reconhecendo demandas

     Precisamos repensar, com todo cuidado, a relação entre drogas, violência e juventude considerando a complexidade que se coloca nesta questão.Apenas drogas e violência já é um tema carregado de representações sociais que necessitam ser desconstruídas. Vocês sabiam que as pesquisas em psicologia social apontam que o estereótipo do antigo binômio pobreza = violência foi substituido no imaginário social pelo estereótipo drogas = violência ?

       
      Ainda temos um terceiro desafio que é a automática associação entre drogas e juventude e também entre violência e juventude. Com este discurso e por esta lógica simplista acabamos colocando uma marca negativa na juventude brasileira: basta ser jovem para ser ou drogado, ou violento ou ambos drogado e violento.
   
      Identificamos como especialmente tendenciosa e falsa a pergunta: - os jovens estão tão violentos porque se drogam? Ou (pior ainda) – se drogam porque querem ser violentos?           

      Neste momento histórico em que o Governo Federal dirige-se aos jovens, através da SENAD neste Mundo Jovem, a primeira palavra que dirigimos aos jovens brasileiros leitores desta página é de que acreditamos em sua força transformadora, em sua luta por um mundo melhor e pela construção de um Brasil cada vez mais brasileiro. Saibam que enquanto nos países do primeiro mundo a juventude é uma categoria dentre as minorias, no ano de 2007, no Brasil, a população de jovens será a mais numerosa e isto representa uma imensa força: a força jovem que representa o nosso grande capital e que, portanto, deve constituir o grande investimento de nossas politicas públicas. E é neste espírito que me dirijo em primeiro lugar aos jovens, mas também aos profissionais e, em especial, aos gestores das políticas publicas com este convite e apelo: vamos mudar esta mentalidade que associa juventude a drogas e violência e reconheçamos nos jovens o que este País tem de melhor!

      Neste contexto, sim, pensemos , e muito seriamente: Como ajudá-los a enfrentar todos os apelos e mesmo a imensa pressão existente na nossa sociedade para o consumo de drogas? Esta é a verdadeira questão: Como diminuir os apelos da cultura aditiva e da cultura de violência que caracterizam a sociedade atual?  Refiro-me, aqui, às tantas violências as quais os jovens estão expostos no seu percurso cotidiano: a violência da mídia que transmite informações enganosas e trazidas pelos seus próprios ídolos; a violência da falta de controle na compra das drogas lícitas; a violência do mercado de distribuição das drogas ilícitas que os recruta sutil e irremediavelmente para o mundo do tráfico- onde desnecessário dizer- a violência é a lógica e a cultura vigente.

      Penso que a primeira violência a ser combatida é a do discurso da juventude violenta e drogada que gera distanciamento dos jovens, impedindo que os conheçamos em sua natureza sonhadora  e que os comprendamos em suas expressões por mudanças.

      Em minha experiência como terapeuta de adolescentes e como pesquisadora na área, estou convencida que o jovem ao buscar as drogas tem uma demanda e esta não é de destruição nem de si mesmo e nem do outro ou da sociedade. Não acredito que a drogadição, mesmo em seu grau mais comprometido, seja um comportamento destrutivo. Reconheço no ato de drogar-se o valor de um ato que tem um sentido o qual precisa ser reconhecido e conhecido: em primeiro lugar pelo próprio usuário (seja ele jovem ou adulto), mas também por aqueles que o cercam. Quando nos debruçamos sob este prisma da compreensão e do valor deste sintoma como comunicação - geralmente bloqueada por outras vias - já fizemos a mudança necessária e passamos a estar de outra forma com o jovem: como um sujeito que nos demanda, que nos pede que nos fala de si e de nossa relação com ele.

      Compreender e atuar nesta área nos exige, antes de tudo, um crédito nos potenciais da juventude e um compromisso com eles na busca dos seus sonhos. Mas quais são os sonhos da juventude brasileira?

      Pensemos: será que esta anestesia com as drogas, em vez de uma busca pela violência ou de uma alienação face às dificuldades que enfrentam, não seria um grito de alerta para que os adultos reparem melhor nas suas necessidades e anseios? Pensemos diferente: consumir drogas não é uma doença; é, antes, um sintoma. Um sintoma é um sinal; é uma comunicação; seria como a febre que nos indica que algo não está bem. Neste sentido não é uma doença. Não é um problema mas é uma equivocada busca de solução . Neste sentido, buscar drogas seria uma espécie de febre da alma ou do coração ou da emoção.

      Se pensamos de forma diferente, percebemos diferente e podemos, então, agir de forma diferente: visualizamos, assim, uma postura mais clínica e compreensiva e a pergunta já é outra: - Do que sofrem os jovens que buscam as drogas? O que reivindicam? Quais denúncias expressam através deste ato? Por quais mudanças estão lutando? Para desafiar os próprios jovens leitores do Mundo Jovem, lanço a minha hipótese: os jovens denunciam a violência vivida em seu dia que pode ser em diferentes níveis e de naturezas diversas. Finalizo desafiando os leitores a prosseguirem nesta reflexão levantando suas próprias hipóteses sobre quais seriam as violências vividas que justificam a demandas dos jovens pelas drogas e sua relação com as tantas violências das quais são alvo, mas não são apenas vítimas pois que estão reagindo.

      Maria Fátima Olivier Sudbrack      Doutora em Psicologia ( Université de ParisXIII) e Pós-doutora em Psicossociologia ( Université de Paris VII)
      Professora Titular do Departamento de Psicologia Clinica/Instituto de Psicologia /Universidade de Brasília
      Pesquisadora do CNPq  
      Coordenadora do PRODEQUI- Programa de Estudos e Atenção às Dependências Químicas/PCL/IP/UnB
      Psicóloga clinica, terapeuta de familias e de adolescentes
Texto extraído de OBID- Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas - Mundo Jovem.